O CICLO HIDROLÓGICO PORMENORIZADO
INTRODUÇÃO
Quando se fala da água e sua importância, seja enquanto sustentáculo da vida como a conhecemos, seja enquanto base para as atividades econômicas — tende-se a imaginar que tal recurso tornar-se-á indisponível num dado momento, principalmente devido a má utilização que temos feito dele.
Embora a quantidade de água no planeta tenha se mantido constante desde o aparecimento do homem na terra (MIRANDA; OLIVEIRA; SILVA, 2010), a ideia de que ela vai findar mostra-se pouco ou nada equivocada se a problemática da água for considerada do ponto de vista da sua disponibilidade em condições de consumo direto (água doce). Se a questão for vista sob esse aspecto, temos, de fato, muito com que nos preocupar!
A água pode ser encontrada na natureza em três fases: sólida, líquida e gasosa. Faz parte tanto do meio biótico, formado por plantas, animais e microrganismos; quanto pelo meio abiótico, onde se inclui a atmosfera e o solo; sendo que sua ausência ou presença afeta o balanço de energia do planeta (MIRANDA; OLIVEIRA; SILVA, 2010).
O ciclo hidrológico é dividido em duas fases distintas, a saber: uma atmosférica, objeto de estudo da meteorologia e outra terrestre, estudada pela hidrologia (VAREJÃO-SILVA, 2006 apud MIRANDA; OLIVEIRA; SILVA, 2010).
Segundo Miranda, Oliveira e Silva (2010):
[...] quando o conceito de ciclo hidrológico é aplicado em escala planetária, o volume de água disponível em cada parte do ciclo hidrológico é relativamente constante; porém, quando se considera uma área limitada, as quantidades de água em cada parte do ciclo variam continuamente, dentro de amplos limites. Assim se explica a abundância e a escassez das chuvas sobre o globo terrestre (grifos nossos).
Três forças nesse planeta têm atuado como verdadeiras motrizes para o funcionamento desse sistema fechado, que acontece entre a superfície terrestre e a atmosfera: a energia solar, a gravidade e a rotação da terra.
A superfície terrestre abrange os continentes e os oceanos, participando do ciclo hidrológico a camada porosa que recobre os continentes (solos, rochas) e o reservatório formado pelos lagos, rios e oceanos. Parte do ciclo hidrológico é constituída pela circulação da água na própria superfície terrestre, isto é; a circulação de água no interior e na superfície dos solos e rochas, nos lagos e demais superfícies líquidas e nos seres vivos (animais e vegetais)” (MIRANDA; OLIVEIRA; SILVA, 2010).
No sentido superfície-atmosfera, o fluxo de água ocorre principalmente na forma de evaporação das águas oceânicas e evapotranspiração continental. Já no sentido atmosfera-superfície, a transferência ocorre na forma de precipitações pluviométricas, granizo e neve (MIRANDA; OLIVEIRA; SILVA, 2010).
O ciclo hidrológico, nas suas duas fases (atmosférica e terrestre) pressupõe alguns processos distintos, que serão mostrados nas próximas seções.
2.1 EVAPOTRANSPIRAÇÃO
Segundo Miranda, Oliveira e Silva (2010) “[...] embora o vapor de água possa ser formado diretamente, a partir da sublimação das geleiras, o interesse climatológico está mais concentrado nas mudanças de fase do líquido para o vapor”. Dessa forma, a evapotranspiração, impulsionada principalmente pela radiação solar (além da temperatura do ar, vento e pressão de vapor), envolve uma parte denominada evaporação, que consiste num conjunto de fenômenos que transformam a água precipitada sobre as superfícies continentais, incluindo a dos mares, dos lagos, dos rios e dos reservatórios, em vapor; e outra denominada transpiração, caracterizada pela “perda de água para a atmosfera na forma de vapor através dos estômatos e cutículas das plantas” (MIRANDA; OLIVEIRA; SILVA, 2010). A quantidade evaporada durante as chuvas é desprezível em relação ao total precipitado, embora alcance, em projetos de grandes reservatórios, importante relevância.
2.2 PRECIPITAÇÃO
A água transferida da superfície para a atmosfera, através da evapotranspiração, nesse ambiente se condensa, formando nuvens que pela ação da gravidade se precipitam na direção da superfície terrestre, na forma de chuva, neve e granizo, formando um processo inverso ao anterior.
2.3 INTERCEPTAÇÃO
Interceptação é definida como a capacidade que a vegetação ou outro obstáculo possui de reter a chuva. Tal obstáculo, no entanto, não inclui o solo, pois esse tipo de interação (chuva e solo) configura outro fenômeno.
É através da interceptação vegetal que uma importante parcela das chuvas que atingem os ecossistemas naturais retorna à atmosfera por evaporação. Desse modo, a vegetação exerce um importante papel no ciclo hidrológico, tanto no nível de quantidade, como de qualidade de água.
2.4 INFILTRAÇÃO E ESCOAMENTO
A parcela da água que entra em contato com o solo é composta de precipitação, sendo que, como vimos, parte dessa precipitação é interceptada pela vegetação. Ao atingir o solo, a água poderá evaporar, penetrar no mesmo ou escoar pela superfície.
No que tange a penetração no solo, a água contribui para a recarga dos aquíferos subterrâneos, que consequentemente sustentam as vazões dos cursos de água nos períodos de estiagem:
Usualmente, a infiltração decorrente de precipitações naturais não é capaz de saturar todo o solo, restringindo-se a saturar, quando consegue, apenas as camadas próximas à superfície, conformando um perfil típico onde o teor de água disponível decresce com a profundidade. Assim sendo, o padrão de distribuição da água em um solo uniforme, submetido a uma pequena carga hidráulica na superfície se divide por quatro zonas [...]” (MIRANDA; OLIVEIRA; SILVA, 2010).
Tais zonas, denominadas camadas de saturação, transição, transmissão e umedecimento, participam do processo de infiltração da água no solo — processo esse que depende diretamente de fatores como tipo de solo (a granulometria como condicionante de permeabilidade, sendo que, quanto menor, também menor a capacidade de infiltração), ocupação da superfície (os processos de urbanização e devastação da vegetação como condicionantes da quantidade de água infiltrada e escoada), topografia (declives acentuados favorecendo o escoamento superficial e diminuindo o volume infiltrado) e depressões (que provocam a retenção da água e consequentemente diminuem a quantidade de escoamento superficial, sendo que essa água retida pode infiltrar no solo ou evaporar).
Na Figura 1 podemos ver um esquema que mostra quase todos os elementos falados até aqui.
Figura 1: Ciclo Hidrológico.
3. INTERFERÊNCIA ANTRÓPICA NO CICLO HIDROLÓGICO
Em condições naturais, o ciclo hidrológico é considerado um sistema em equilíbrio. Porém, cada vez mais é possível perceber alterações que levam a modificações nessa dinâmica, principalmente no que diz respeito a sua fase terrestre.
Fatores como a impermeabilização do terreno, na forma de obras de alvenaria, obras de engenharia nos canais fluviais, abertura de acessos, pavimentação asfáltica, deposição irregular de resíduos e alterações morfológicas na topografia, entre outros — configuram intervenções normalmente precedidas de remoção da vegetação, que promovem o aumento do escoamento superficial e obstrução da infiltração, sendo às inundações e as erosões suas consequências mais diretas. Outra consequência referente à redução das taxa de infiltração diz respeito ao decréscimo no nível freático da quantidade de água armazenada. Tal fato reflete sobre a vazão dos rios urbanos, principalmente durante períodos de estiagem.
As cidades representam hoje as formas mais relevantes de alteração do ambiente natural, sempre com consequências danosas à população:
No Brasil, a urbanização [...] intensificou-se com os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). A partir da década de 1970 pode-se observar uma mudança fundamental na ocupação do solo no país, quando, com incentivos estatais para expansão agrícola e industrial, houve a dilatação dos centros urbanos” (EGLER, 2001; SILVA, 2008; FERREIRA, 2009 apud FRITZEN; BINDA, 2011).
Tal fato torna-se mais preocupante quando se considera que, excluindo-se as águas salinas usadas principalmente para a recreação e a navegação, a água disponível para os usos do nosso dia a dia é escassa, estando esta distribuída da seguinte forma, embora haja variações na literatura:
Cerca de 67% da água doce que retiramos do meio ambiente é utilizada na irrigação e 23% em outras necessidades da agricultura. Resta apenas aproximadamente 10% da água doce disponível para nossas necessidades de ingestão, limpeza e outras atividades domésticas — ou seja, apenas 0,03% do volume total de água do planeta! (AZEVEDO, 1999).
3.1.2 TIPOS DE POLUIÇÃO DA ÁGUA
As formas de poluição que afetam as reservas de água podem ser classificadas em (a) biológica, — que resulta da presença de microrganismos patogênicos, principalmente na água potável; (b) térmica, — esta ocorre geralmente pelo descarte de água aquecida usada no arrefecimento de processos industriais; (c) sedimentar, — resultante do acúmulo de partículas em suspensão, como poeira ou produtos químicos orgânicos/inorgânicos; (d) e química — representada pela forma mais sutil e consequentemente problemática de poluição, ocasionada principalmente pelo descarte de fertilizantes agrícolas, compostos orgânicos sintéticos, compostos inorgânicos/minerais e petróleo.
3.2 EFEITOS DELETÉRIOS
No que tange ao aumento da temperatura da água, alguns efeitos mais imediatos se fazem presentes.
A solubilidade dos gases em água diminui com o aumento da temperatura, o que compromete a disponibilidade de oxigênio, prejudicando assim a respiração da fauna aquática. Com isso há diminuição do tempo de vida de algumas espécies, impactando ciclos de reprodução. Também ocorre que, a velocidade das reações químicas na água, decorrentes da presença de poluentes, potencializa a ação destes (AZEVEDO, 1999).
Já a poluição sedimentar bloqueia a entrada dos raios solares na lâmina de água, interferindo na fotossíntese das plantas. Ela também diminui a capacidade dos animais aquáticos de encontrar comida. Outro efeito é que os sedimentos conduzem determinados poluentes, geralmente químicos e biológicos, adsorvidos por eles (AZEVEDO, 1999).
Por fim, temos os efeitos deletérios causados pela poluição química, representando esta a mais problemática de todas as formas de poluição. Azevedo (1999) compara a poluição química às outras:
A poluição sedimentar é normalmente muito visível e facilmente removível. Mesmo a poluição biológica parece em alguns casos menos perigosa do que a poluição química, uma vez que a maioria dos microrganismos podem ser destruídos pela fervura da água que eles estejam infectando, ou pelo tratamento com substâncias químicas, como o hiploclorito de sódio e a cal viva. Já a poluição química não é assim tão simples. Os efeitos nocivos podem ser sutis e levar muito tempo para serem sentidos.
Os tipos de tratamento de esgoto se dividem em três categorias:
Os tratamentos primários são empregados para a remoção de sólidos em suspensão e de materiais flutuantes. O tratamento secundário visa a remover as substâncias biodegradáveis presentes no efluente (por meio de tratamentos biológicos convencionais). O tratamento terciário emprega técnicas físico-químicas e/ou biológicas para a remoção de poluentes específicos não removíveis pelos processos biológicos convencionais” (AZEVEDO, 1999).
CONCLUSÃO
A implantação ou expansão de centros urbanos, sem o devido planejamento, põe em risco o balanço hídrico, devido às alterações no ciclo hidrológico. Sobre essa questão, uma orientação importante para não ocorrer impactos da urbanização sobre a hidrologia, é que as áreas pavimentadas não excedam o valor de 5% da área total da bacia de drenagem (FRITZEN e BINDA et al, 2011)
Portanto, iniciativas como planejamento urbano, mobilização popular para fim de empoderamento dos espaços dos Comitês de Bacias e principalmente, investimento estratégico em ações de saneamento, poderiam garantir às futuras gerações o acesso a esse recurso tão essencial à qualidade de vida e ao desenvolvimento econômico, que é a água.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Eduardo Bessa. Poluição e Tratamento de Água. Revista
Química Nova na Escola. n. 10, nov. 1999. Disponível em:
<http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc10/quimsoc.pdf>, Acesso em:
28 set. 2015.
FRITZEN, Maycon; BINDA, Andrey Luis. Alterações no ciclo hidrológico em áreas urbanas: cidade, hidrologia e impactos no ambiente. Chapecó: Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, 2011. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/atelie/article/view/16703/10155>. Acesso em: 28 set. 2015.
MIRANDA, Ricardo Augusto Calheiro de; OLIVEIRA, Marcus Vinícius Siqueira de; SILVA, Danielle Ferreira da. Ciclo hidrográfico planetário: abordagens e conceitos. Revista Geo UERJ ano 12, n. 21. p. 109-119, jan. 2010.
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