AGENDA 2030: RIO DAS OSTRAS NA CONTRAMÃO DA PAZ E DA JUSTIÇA


(Texto escrito em outubro de 2017)

Dando continuidade ao levantamento iniciado no artigo anterior (para lê-lo, clique aqui), resolvemos abrir um parêntese, dada a importância do tema, para abordar outra problemática do município estudado (Rio das Ostras). Essa, relacionada o ODS número 16 - Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Esperamos que a nossa pequena contribuição possa servir para dar maior visibilidade ao revés em questão.

5 O ODS 16 E RIO DAS OSTRAS
De acordo com PNUD (2015), os princípios e objetivos do ODS nº 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes, podem ser assim resumidos:

Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Promover instituições fortes, inclusivas e transparentes, a manutenção da paz e o respeito aos direitos humanos baseados no Estado de direito são a base para o desenvolvimento humano sustentável. Estes são alguns dos princípios que sustentam as metas do ODS 16, que também inclui temas sensíveis, como o combate à exploração sexual, ao tráfico de pessoas e à tortura. Outros temas incluídos nas metas do ODS 16 são o enfrentamento à corrupção, ao terrorismo, a práticas criminosas, especialmente aquelas que ferem os direitos humanos.


A fim de realçar esses princípios e objetivos, também podemos listar algumas importantes metas do ODS 16:

16.1) Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada; 16.2) Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças; 16.3) Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça, para todos; 16.6) Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis; 16.7) Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis; 16.10) Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais; 16.b) promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável (PNUD, 2015).


Apesar do município de Rio das Ostras ter realizado relevantes ações no que concerne ao ODS número 11, ao ponto de receber duas premiações consecutivas do Programa Cidades Sustentáveis, estas terminam por ter o seu mérito ofuscado quando confrontadas com uma realidade local revoltante e triste: a de que Rio das Ostras se apresenta como uma espécie de "capital estadual" da violência sexual contra a mulher.

6 NOSSAS RAÍZES
O principal fator adverso ao chamado Desenvolvimento Sustentável, e que infelizmente representa uma marca histórica em nosso país, sem dúvida é a desigualdade social. No Brasil, tal condição tem sido sustentada em mecanismos veementes de controle das massas. Mesmo cientes da dificuldade e consequente imprecisão advinda da tentativa de se fazer uma classificação desses mecanismos, podemos dizer que os mesmos compreendem o gerenciamento ideológico (na forma do oligopólio das comunicações), passando pela corrupção (essa já caracterizada como sistêmica), pelo autoritarismo (na forma de golpes de estado, golpes institucionais, violência policial e criminalização dos movimentos sociais) e por todo tipo de opressão contra as minorias (o que inclui o machismo, o racismo, a homofobia, a misoginia etc).

Todo esse estado de coisas, ao longo do tempo sendo alimentado pelo conservadorismo, pelo neoliberalismo, e mais recentemente, pela escalada do fascismo, terminou por moldar as nossas instituições sociais e consequentemente, as suas decisões. Tudo isso inviabilizou a adoção ou efetividade de políticas públicas capazes de dar conta de sanar determinadas injustiças. E tal inviabilidade muitas vezes se apoia na promoção da invisibilidade dos problemas, principalmente àqueles que incidem sobre as minorias e os mais pobres. No caso da violência sexual contra a mulher e do feminicídio, a tendência conservadora e machista é a de, num primeiro momento, negar que o problema exista, para depois admiti-lo; porém relegando à própria vítima a culpa pela violência sofrida.

7 O MOVIMENTO
Neste cenário, é natural que surjam movimentos sociais a favor das minorias e contra a violação de direitos. No caso riostrense e do tipo de injustiça praticada, é criado, em 2013, o Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras:

O Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras é um movimento popular e autônomo, [...] composto por representes da comunidade acadêmica da Universidade Federal Fluminense de Rio das Ostras, de associações de moradores de Rio das Ostras, de sindicatos e movimentos da região, familiares de vítimas de estupro e comunidade em geral [...] Surgiu como um movimento de combate à violência sexual contra a mulher, mas também contra a criança e o adolescente, pois nossas demandas visam coibir o estupro contra qualquer indivíduo. As atividades e reuniões com diversas autoridades municipais e estaduais permitiram um importante avanço do Movimento em termos de publicizar estas demandas, com foco na questão de gênero e na violência sexual contra a mulher. (DOSSIÊ ROMPENDO O SILÊNCIO E A IMPUNIDADE, 2013).


O surgimento de um movimento social com essa temática, no contexto supracitado, acrescido do fato de Rio das Ostras ser considerada uma cidade turística e portanto a invisibilidade da questão ser de grande interesse de grupos econômicos locais, — sem dúvida é um importante indicador da gravidade daquilo que estamos nesse momento ajudando a denunciar. Por conta disso, com o objetivo de chamar a atenção das autoridades e população, o Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras

[...] vem realizando uma série de ações, dentre elas destacamos: campanha que consiste em panfletagens nas ruas e nas praias do município; cartilha educativa; palestra com representantes da Articulação de Mulheres do Brasil (AMB) e do Movimento de Mulheres de Cabo Frio (MMCF); mobilização no dia 8 de março referente às lutas do dia internacional da mulher; carta de reivindicações protocolada nas diversas instâncias do poder público local e estadual; participação em programas de rádio da região para debates sobre a violência de gênero; articulação com outros movimentos de gênero da região e do Brasil; reuniões mensais para discutir a atuação do Movimento e articulação para realização da 1ª Audiência Pública em Rio das Ostras. Podemos mencionar, dentre os principais frutos dessas ações: 1) audiência pública com o prefeito e os secretários de saúde, segurança pública, bem-estar social e a coordenadora da Casa da Mulher de Rio das Ostras; 2) reunião com a delegada Carla Tavares da 128ª DP de Rio das Ostras; 3) audiência pública com a delegada Martha Rocha, chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, onde estiveram também presentes membros do seu gabinete; a Subsecretária de Políticas para as Mulheres do Estado do Rio de Janeiro, Angela Fontes; a coordenadora da Casa da Mulher de Rio das Ostras, Andrea Morata; a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da ALERJ, deputada Inês Pandeló; e diversos movimentos de mulheres do Estado e do Brasil (AMB, MMCF, AMAB) e; 4) reuniões e rodadas de negociações com representes do poder público. Como desdobramentos destas ações a deputada Inês Pandeló – Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da ALERJ – convocou uma audiência pública da ALERJ na Câmara Municipal de Rio das Ostras, com o tema "Discussão dos casos de estupro em Rio das Ostras", com o objetivo de envolver e responsabilizar as diversas instâncias do poder público local e estadual na construção de medidas urgentes para o enfrentamento deste tipo de violência (DOSSIÊ, 2013).


Outra iniciativa do Movimento foi a elaboração de um importante documento, intitulado "Dossiê rompendo o silêncio e a impunidade! Mapeamento da realidade sobre violência sexual e demandas para o atendimento especializado às mulheres vítimas de violência sexual em Rio das Ostras" (supracitado), com dados preliminares indicativos da realidade que estamos tratando. Tal documento contém informações que "atestam a incidência e o assustador crescimento dessa forma de violência [e] indicam elementos que contribuem para sua reprodução" (DOSSIÊ, 2013).

Figura 5: Manifestação de mulheres em Rio das Ostras, durante a passagem da Tocha Olímpica, contra o descaso das autoridades a respeito o alto índice de estupros na cidade.

Fonte: Página no Facebook do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro – SEPE, 2016.


CONCLUSÃO
Até que ponto as deliberações da Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável são viáveis num prazo de 15 anos, uma discussão se pode fazer. Mas o importante é que as metas oficialmente postas em acordos assinados inclusive pelo Brasil, podem servir como instrumentos para que a sociedade civil organizada exerça, no que tange a efetivação desses acordos, seu papel legítimo de pressão contra o Estado.

Como foi levantado na introdução desse trabalho e de certa forma discutido ao longo dele, o modelo econômico e geopolítico baseado na competição e conflito entre pessoas, instituições e países, precisa ser seriamente questionado. Portanto, medidas duras de austeridade contra a população, mediante redução de direitos, congelamento dos investimentos públicos, aumento da idade mínima para a aposentadoria e flexibilização das leis trabalhistas, apenas para citar alguns exemplos, não dão conta de contribuir positivamente para o programa interno de um país que se dispôs a ser signatário da Agenda 2030.


REFERÊNCIAS
MOVIMENTO CHEGA DE ESTUPROS EM RIO DAS OSTRAS. Dossiê rompendo o silêncio e a impunidade! Mapeamento da realidade sobre violência sexual e demandas para o atendimento especializado às mulheres vítimas de violência sexual em Rio das Ostras. Rio das Ostras: [s.n.], 2013. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1f3ggLPSzc0BDsNVVv3dX9bjqyAgYxhwF/view>. Acesso em: 3 out. 2017.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Plataforma Agenda 2030. Objetivo 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes. [S.l.], 2015. Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/meta.php?ods=16>. Acesso em: 3 out. 2017.

SINDICATO ESTADUAL DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – SEPE. Manifestação das mulheres durante a passagem da Tocha Olímpica. Facebook, 3 ago. 2016. Disponível em: <https://www.facebook.com/SEPERiodasOstras1977/videos/t.100001958614158/1023769947738313/?type=2&theater>. Acesso em: 7 out. 2017.

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