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3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO QUE SE PRETENDE EVIDENCIAR
A relação entre meio ambiente e pobreza, neste trabalho destacada, está circunscrita à realidade dos parcelamentos clandestinos, empreendidos por populações de baixa renda, em APPs urbanas. Reiterada esta delimitação, podemos seguir e apontar o déficit habitacional como um importante fato desencadeador desse tipo de ocupação do território: não titularizada, precária e periférica; comumente situada em áreas alagadiças e sujeitas a deslizamentos; o que impacta o ambiente não só por conta do desmatamento, mas também pela geração de efluente sanitário (sem tratamento ou destinação correta) e produção de Resíduos Sólidos Urbanos (Brasil, [2010]).
Por essas razões, parcelamento clandestino cabe demolição (sanção administrativa), haja vista que, de acordo com a Lei Federal nº 6.766/1979, sua criação configura crime contra a administração pública (art. 50). Mas o entendimento hoje, baseado no Princípio da Não Remoção [7] , é que tais ocupações, já consolidadas, passem por regularização fundiária, titularização de área, urbanização e implantação de equipamentos públicos urbanos, incorporando-se às cidades. A regularização, no entanto, implica no pagamento de tributos e isso pode ser um grande problema para os mais pobres (informação verbal) [8].
Quando falamos em APPs urbanas, especificamente das "encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º" (Brasil [2012]), estas ocupadas de forma precária, somos remetidos à imagem de um determinado tipo de parcelamento que se configura quase sempre clandestino, que são as denominadas "favelas" da cidade do Rio de Janeiro.
A cidade do Rio de Janeiro caracteriza-se pela infinita riqueza de seu tecido urbano [...] onde grandes edifícios se confundem com pequenos prédios, casas baixas e favelas, [estas] se estabeleceram nos morros, em razão das peculiaridades da Zona Sul da Cidade: uma faixa de terra espremida entre a orla marítima e as montanhas. São favelas sedimentadas, no sentido de que estão há décadas definitivamente instaladas nas áreas em que se encontram, como, por exemplo, as chamadas Rocinha, Vidigal, Chapéu Mangueira e tantas outras (LIRA, 1991, p. 44 apud MARÇAL, 2015, p. 64).
Colocadas todas essas questões, e considerando também outras peculiaridades inerentes à problemática ambiental, podemos dizer que, no cômputo geral, a legislação tem por foco a tutela do meio ambiente, enquanto bem jurídico difuso [9], contra as condições deletérias decorrentes do processo produtivo. Mas o avanço da pobreza não costuma ser tratado como um fator de degradação ou impacto ambiental negativo, sendo que é. Esta abordagem configura, portanto, a "perspectiva que se supõe diferenciada" a que nos referimos na Introdução deste trabalho. Trata-se, portanto, de uma relação direta, de causa e efeito, a que estamos denunciando aqui: a pobreza enquanto agente da degradação ambiental.
Mas outros trabalhos vêm tratando dessa relação a partir de perspectivas diferentes da nossa. Como exemplo, podemos citar a segunda parte do Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima (IPCC), esta dando conta que os mais pobres, com destaque para as crianças pequenas e os idosos, serão os primeiros e os mais afetados pelas mudanças climáticas, mesmo nos países desenvolvidos (IPCC, 2007. p. 7, 13, 19). Já a Declaração ou Carta do Rio, proposta pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de junho de 1992, define, em seu Princípio 5, que o desenvolvimento sustentável, em sua dimensão social, econômica e ambiental, só pode ser atingido a partir da erradicação da pobreza (ONU, 1992).
Para terminar esta parte, cabe esclarecer que não intentamos, com a nossa abordagem, atribuir culpa às populações em situação de vulnerabilidade social pelos impactos que elas causam em Áreas de Preservação Permanentes. Afinal, trata-se de um direito fundamental, o da moradia, que a maior parte desses indivíduos busca conquistar quando é levada a ocupar clandestinamente tais áreas. Assim sendo, é a pobreza que deve ser combatida e não os mais pobres. Mas sobre esse embate, traremos alguns elementos teóricos, que talvez possam subsidiá-lo, na próxima e última seção deste trabalho.
(Continua...)
NOTAS
[7] O direito à moradia é considerado um direito fundamental no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948). Na Constituição Brasileira de 1988, a EC nº 26/2000 altera a redação do art. 6º, incluindo o direito à moradia no rol dos direitos sociais. Mas nas situações onde as condições físicas da área põem em risco a vida dos seus habitantes, este Princípio não se aplica.
[8] Fala do professor Luiz Oliveira Castro Jungstedt, disciplina Direito Urbanístico, em julho de 2021.
[9] "[Bens Difusos] não pertencem a uma pessoa isolada, nem a um grupo nitidamente delimitado de pessoas [...], mas a uma série indeterminada – e, ao menos para efeitos práticos, de difícil ou impossível determinação -, cujos membros não se ligam necessariamente por vínculo jurídico definido" (MOREIRA, 1993).
REFERÊNCIAS
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