A DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR NO QUE CONCERNE A EXIGÊNCIA DO EIA/RIMA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A NATUREZA POLÍTICA DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PARTE 3/6)
Logo, a discricionariedade administrativa pode ser vista como a liberdade que se confere ao Administrador para que o mesmo atue em determinadas situações de acordo com o seu juízo de conveniência, valor ou oportunidade. Dessa forma, havendo duas ou mais alternativas, o Administrador pode optar qual delas, no seu entendimento, preserva melhor o interesse público.
Falando de forma mais direta, o processo administrativo discricionário (ou livre) é aquele que não possui previsão legal para o seu rito, seguindo este apenas a praxe administrativa, diferente do processo vinculado, cujo rito processual está enredado a uma lei (BRYCH, 2007).
A princípio, a razão de ser da discricionariedade administrativa, nas palavras de Souza (2010, p. 30) é que sem ela
[…] seria impossível o atuar administrativo, haja vista ser impossível à lei em sentido formal prever todas as hipóteses da vida social de modo a permitir que a Administração dispusesse de arcabouço legal completo para a sua atuação […] Assim, em diversas situações o legislador passou a legislar de forma geral e indeterminada, deixando ao administrador a complementação da norma através da aplicação de sua discricionariedade.
Ou seja, para o autor, as lacunas deixadas pelo ordenamento jurídico justificam a existência da discricionariedade da Administração Pública.
Já Marinela (2018 apud BORILLE, 2021) aponta outro aspecto, o de que somente a discricionariedade pode conferir à Administração, efetivamente, poder para “atender à finalidade legal e, por corolário, cumprir o princípio da legalidade previsto no art. 37, caput da CF/88”. Mas sobre esta observância, Souza (2010, p. 29-30) destaca que o aposto também se faz verdadeiro, pois “havendo uma margem de atuação administrativa livre à escolha do administrador, evidente que a discricionariedade administrativa serve como válvula de escape ao princípio da legalidade”.
Se o princípio da legalidade precisa ser observado no que diz respeito ao exercício da discricionariedade administrativa, outro também pode ser destacado, que é o princípio da impessoalidade. Cunha Júnior (2011, p. 40) recomenda que
a atividade administrativa seja exercida de modo a atender a todos os administrados, ou seja, a coletividade, e não a certos membros em detrimento de outros, devendo apresentar-se, portanto, de forma impessoal. A atuação impessoal da Administração Pública é imperativo que funciona como uma via de mão dupla, pois se aplica em relação ao administrado e ao administrador. Assim, de referencia ao administrado, a atividade administrativa deve ser necessariamente uma atividade destinada a satisfazer a todos, de sorte que a Administração Pública não pode atuar de forma a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o seu comportamento.
Já Celso Antônio Bandeira de Mello (2021, p. 80) nos trás mais um aspecto desse tema, alertando-nos que a vinculação se relaciona com a objetividade, enquanto que a discricionariedade se associa à subjetividade:
Com efeito, discricionariedade e apreciação subjetiva caminham pari passu, dizia meu inolvidável mestre e orientador, o Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. A vinculação surge quando ocorre objetiva subsunção entre a hipótese prevista na lei e o caso concreto.
Sobre o caráter subjetivo da discricionariedade, Paulo Guiraldelli (2023) tece interessantes considerações sobre o conceito de subjetividade:
‘Isso é muito subjetivo.’ O que se quer dizer com esse tipo de frase? Em geral, trata-se de apontar que algo é por demais dependente da avaliação de alguém […] Nesse sentido, subjetivo é o contrário de objetivo, sendo este [o objetivo] aquilo que pode ser reconhecido por mais indivíduos, ou porque é efetivamente de todos ou porque se põe de modo independente do sujeito. Nesse caso, o sujeito é tido como um eu. Assim definimos porque a subjetividade é algo que nos remete à consciência ou consciência de si ou autoconsciência. Autoconsciência: sei que sei, e este saber ou pensamento a que me refiro é meu.
Feitas todas essas considerações, como podemos então enquadrar o processo de licenciamento ambiental? Este seria um processo discricionário ou vinculado?
Segundo Luiz Oliveira Castro Jungstedt (2021a), o entendimento geral aponta que este processo é discricionário, porém não totalmente pautado em critério de conveniência e oportunidade por parte do Gestor, pois há passos do rito processual que pressupõe vinculação. Para Jungstedt, outro motivo que corrobora o caráter discricionário desse tipo de processo administrativo é a possibilidade do pedido de licença ambiental poder ser, ao final do rito, indeferido, mesmo que o empreendedor tenha cumprido todos os requisitos legais. Já no rito vinculado, de acordo com o mesmo autor, isso não é possível, pois cumpridas todas as etapas previstas em lei, o Administrador tem que conceder a licença, ou seja, não depende de sua discricionariedade. No caso do licenciamento ambiental, o requerente não tem direito a licença, cabendo ao administrador concedê-la ou não. Trata-se, a licença ambiental, portanto, de um ato precário (discricionário), pois o Administrador pode revogá-la no momento que considerar oportuno (JUNGSTEDT, 2021b).
Já Souza (2015), no que diz respeito ao deferimento do pedido de licença ambiental, também aponta sua discricionariedade sui generis, sob a justificativa de que um estudo ambiental não pode oferecer “resposta objetiva e simples acerca dos possíveis prejuízos ambientais que possam ser gerados por uma obra ou atividade”.
AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Live com o Professor Nildo Domingos Ouriques. Youtube, 26 abr. 2023. Disponível em: <https://youtu.be/FTeosQoID8g>. Acesso em: 16 mai. 2023.
BATISTUTE, Jossan; SENEGALIA, Vânya; SPAGOLLA, Morete. Legislação e Direito Ambiental: gestão ambiental. --: São Paulo: Pearson Education Institute, 2009.
BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcellos e. Os princípios do Estudo de Impacto Ambiental como limites da discricionariedade administrativa. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/8746>. Acesso em 28 mai. 2023.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001.
BORILLE, Tatiana. Limites da Discricionariedade Administrativa. Revista Âmbito Jurídico, São Paulo, 2021. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/limites-da-discricionariedade-administrativa>. Acesso em: 14 mai. 2023.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organizada por Cláudio Brandão de Oliveira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002.
BRASIL. Lei nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 19, dez. [2011]. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm>. Acesso em: 4 mai. 2023.
BRYCH, Fábio. Teoria geral dos atos administrativos no Direito Público brasileiro. Portal Âmbito Jurídico. S.l.: s.n., 31 out. 2007. Disponível em:
<https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/teoria-geral-dos-atos-administrativos-no-direito-publico-brasileiro/>. Acesso em: 28 mai. 2023.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo – 10. ed. – São Paulo: Editora JusPODIVM, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 283-284.
DISCRICIONARIEDADE; DISCRICIONÁRIO. In: MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. S.l.: Editora Melhoramentos, 2023. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues>. Acesso em: 13 abr. 2023.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito: teoria geral do direito. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2015. E-book.
GHIRALDELLI, Paulo. O básico sobre subjetividade. Blog Paulo Ghiraldelli, 2023. Disponível em: <https://ghiraldelli.online/2023/05/19/o-basico-sobre-subjetividade/. Acesso em: 29 set. 2023.
GHIRALDELLI, Paulo. República Brasileira: de Deodoro a Bolsonaro. 2a ed. São Paulo: CEFA Editorial, 2021.
JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Direito Ambiental: Licenciamento Ambiental, Bloco 1. Universidade Cândido Mendes (Pós-graduação em Direito Ambiental e Urbanístico, Informação verbal), Rio de Janeiro, 2021a.
JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Direito Urbanístico: Meio Ambiente Artificial II, Bloco 1. Universidade Cândido Mendes (Pós-graduação em Direito Ambiental e Urbanístico, Informação verbal), Rio de Janeiro, 2021b.
HASEMANN, Ariane Maria. Estudo de impacto ambiental e discricionariedade administrativa.: A usina hidrelétrica de Mauá. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2708, 30 nov. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17954>. Acesso em: 14 mai. 2023.
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito Ambiental: Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 3ª ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
POLÍTICA. In: MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. S.l.: Editora Melhoramentos, 2023. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues>. Acesso em: 17 abr. 2023.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Obra de impacto ambiental não precisa necessariamente de EIA/Rima. São Paulo: Conjur, 2014. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2014-nov-07/obra-impacto-ambiental-nao-eiarima-decide-trf>. Acesso em: 14 mai. 2023.
RIO DAS OSTRAS. Lei Complementar nº 005, de 26 de setembro de 2008. Institui o Código de Meio Ambiente do Município de Rio das Ostras, estabelece normas gerais para a administração da qualidade ambiental em seu território e dá outras providências. Disponível em: <https://www.riodasostras.rj.gov.br/wp-content/themes/pmro/download/leis-e-codigos/codigos/3.pdf>. Acesso em: 7 mai. 2023.
RODRIGUES, Lucas Amadeu Lucchi. Portal Jus. S.l.: s.n., 29 nov. 2019. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/78184/fontes-do-direito-conceito-e-classificacoes>. Acesso em: 22 mai. 2023.
SOUZA, L. M. De. Parcerias entre a administração pública e o terceiro setor: sistematização e regulação. 2010. 288f. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
SOUZA, Vinícius Luiz de. A discricionariedade da licença ambiental. Revista Eletrônica JurisWay. S.l.: s.n., 9 jan. 2015. Disponível em:
<https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=14303#mapa>. Acesso em: 16 mai. 2023.
TRENNEPOHL, Curt. TRENNEPOHL, Terence. Licenciamento Ambiental. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2011.
Comentários
Postar um comentário