A DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR NO QUE CONCERNE A EXIGÊNCIA DO EIA/RIMA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A NATUREZA POLÍTICA DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PARTE 5/6)
5 A NATUREZA POLÍTICA DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De acordo com o Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, a palavra política pode significar tanto a “arte ou vocação de guiar ou influenciar o modo de governo”, quanto o “conjunto de princípios ou opiniões políticas”, e ainda a “habilidade especial ao relacionar-se com outras pessoas, com o intuito de obter certos resultados anteriormente planejados” (POLÍTICA, 2023).
Já Almeida, Barboza e Tavares (2014, p. 92-93) lembram que para os gregos antigos
[…] a política era condição da existência humana, da garantia da felicidade, da materialização da cidade como espaço público do bem viver. A participação na polis [cidade antiga grega; hoje, Estado ou país], no confronto entre pluralidades no espaço público, era a condição de ser cidadão.
Ghiraldelli (2021, p. 15), por sua vez, explica as diferenças entre duas importantes categorias do universo político:
Podemos dizer que a democracia é originalmente grega, e a república, por sua vez, é romana. Democracia tem a ver com as palavras gregas demos e kratos, respectivamente “povo” e “governo”. Trata-se do “governo do povo” ou “governo popular”. A república tem a ver com o latim res publica, que quer dizer “coisa pública”, e significa governo voltado para o interesse de todos os cidadãos.
Com base nessas referências, e também em observação empírica, podemos então dizer que a política, enquanto realidade social inerente ao Estado, configura o foro onde conflitos podem ser dirimidos, exatamente para que a violência não se faça necessária. Trata-se da instância onde é possível que adversários ou até mesmo inimigos resolvam diferenças ou compatibilizem interesses através da negociação. Neste quesito, agir politicamente significa agir com um objetivo igualmente político, valendo-se da diplomacia para evitar uma abordagem mais direta ou o próprio confronto. Também pode incluir atos ou omissões motivados por certo alinhamento ideológico ou doutrinário.
Mas afinal, os atos da administração pública possuem, predominantemente, motivação técnica ou política? Vejamos mais algumas referências.
Ao falar sobre a problemática do controle da inflação no Brasil, Nildo Ouriques (2023) expõe uma interessante consideração a respeito da real motivação do Banco Central (BC) em elevar a taxa Selic:
[…] não existe decisão técnica em economia. Se elevamos os salários, caem os lucros. Se sobem os juros, significa que o investimento fica mais caro e as pessoas vão consumir menos. É uma opção. Não há nenhuma decisão técnica quando a natureza da economia é essencialmente política. Isso quer dizer que a economia e a política não estão separadas. Tal separação é um recurso dos tecnocratas. Campos Neto não fala em nome de uma racionalidade técnica. Ele fala em nome de uma racionalidade política, que diz respeito a determinado fim, que é [o de] enriquecer banqueiros e manter a hegemonia dessa coesão burguesa, que contempla comerciantes, industriais, latifundiários e multinacionais.
O que Nildo Ouriques expõe sobre a economia pode, no nosso entendimento, ser aplicado a questões políticas de outras naturezas, como a de natureza ambiental.
Apenas para dar mais um exemplo, Souza (2010, p. 30), de sua parte, corrobora nossa visão, ao discorrer sobre parcerias do estado do Amazonas com as chamadas Organizações Sociais. Para ele, a discricionariedade administrativa aplicada ao deferimento do pedido de qualificação dessas entidades, transforma tais decisões em opções políticas.
A partir dessas referências, podemos então deduzir que a discricionariedade da administração pública se relaciona com a política na medida em que ela confere ao Administrador liberdade de escolha para ele atuar politicamente. Em um processo de licenciamento ambiental, portanto, tal liberdade permite o juízo de valor, por parte do Gestor, para considerar se é a implantação de determinado empreendimento em uma área preservada, ou a proteção dessa mesma área, que atende o interesse público.
Indo mais além, é possível por fim afirmar que, mesmo quando a administração pública opta por agir de forma tecnicamente correta, ela assim o faz visando as consequências políticas advindas desta opção.
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